American Dream

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Posted by Felipe Luna | Posted in | Posted on 08:35


Estendam o tapete vermelho. Vermelho, Branco, Azul e com estrelinhas, sem dúvida. Estrelas, aliás, são ornamentos que não poderiam deixar de dar o ar de seu brilho numa festa tão glamorosa. Certamente o Oscar foi o primeiro palpite do leitor mais ansioso. Mas é com certa sensação de lástima que eu o desiludo revelando que o evento do qual me refiro é a mesmo que em terras tupiniquins recebe o nome de “Festa da Democracia”.
As eleições para presidência da terrinha do Mister Dollar (sim, porque os tempos do Tio San agarraram-se ao passado na linha do tempo), apresentaram para o mundo uma aula de civilidade e elegância, embora Paris Hilton não tenha levado a sério seu próprio potencial inegável para a política. Uns singelos discursos na periferia do populismo, um belo sorriso sempre aberto, uma esposa com eloqüência incrível e um personal stylist de talento elogiado, assim como um slogan de campanha que tudo pode... Sacode tudo para um palco, digo, palanque, e a “Democratacia” fez a festa. O puritanismo hipócrita achou por bem esconder-se nas porcas esquinas do submundo da Big Apple e a esperança por mudança faria ressuscitar até umas falecidas irmãs gêmeas, o que dirá eleger um representante máster afro-descendente? Pois como o senhor Leitor já está vermelho, azul e branco de saber, Barack Obama foi o primeiro presidente negro eleito nos Estados Unidos da América.
Convido o Leitor agora a carimbar o seu passaporte que nós vamos fazer uma viagem. Sim, a partir de então os pobres mortais latinos serão por lá muito bem recebidos. Incluo nessa afirmativa os que já estão a sujar as calçadas do primeiro mundo com seus hábitos e caras subdesenvolvidos, habitando submoradias, comendo subfast-foods, ocupando-se em subempregos. Tudo agora ficará mais fácil. Os brasileiros podem esperar até por cotas nos lugares da premiação do Oscar para nós, os subamericanos sócio, político e economicamente carentes e desfaforecidos.
Os soldados americanos estarão todos de volta a partir de agora: a guerra no Iraque acabou. O cinema vai passar a explorar o tema sob um ponto de vista mais interessante. Ouvi rumores até da próxima produção hollywoodiana: “O resgate do capitão Green” onde o heroísmo do militar americano é enaltecido através da história do oficial capturado pelos índios da Amazônia durante os confrontos para tomada desta pela pátria amada americana. Policiais brasileiros ineficientes, políticos corruptos, traficantes de animais silvestres e madeira ilegal são outros personagens que desfilam pela trama no intuito de mostrar para o mundo a incapacidade do Brasil de administrar os pulmões do mundo. Como prêmio de consolação, nos darão no final do filme o Apêndice para tomar conta. Uma responsabilidade em tanto!
Evidente que a economia vai passar por dias melhores. O Senhor Dollar voltará a andar pomposo como de costume, freqüentando as altas rodas, ostentando tudo aquilo que o mundo convencionou de “bom e melhor” graças a abençoada aculturação. Seria de muito bom gosto inclusive criar um código de leis, uma Constituição Universal para assegurar os verdadeiros direitos humanos de desfrutar todo o modelo de vida americano. É bastante justo que nós e todos os nossos companheiros da periferia do mundo tenhamos direito a esses hábitos tão sofisticados.
Essa festa da “Democratacia” vem estender o tapete vermelho para o verdadeiro Demo. Estrelinhas brilhando em suas cabeças, holofotes voltados pra si, e a auto-estima do mundo ganhando as cabeças enfeitadas com os mais refinados ornamentos. Pegaram emprestada a idéia romana de pão e circo e vão satisfazendo todo esse sonho mundial. E nós vamos comendo, rindo, e torcendo nesse espetáculo. Mudar o mundo é só um detalhe, e nosso amigo Obama nos garantiu: “Yes, we can!”.

Ensaio Sobre os Sentimentos.

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Posted by Felipe Luna | Posted in | Posted on 07:33



Ao leitor que mais uma semana vem deitar nesse divã, seria apreciável que conhecesse um amigo de longa data. Arquimedes já não nasceu como outro qualquer. Vir ao mundo calado foi uma opção sua só para não se dar ao desfortúnio de chorar tal qual seus semelhantes. Clichês, aliás, são alhos para um vampiro, é o que ele costumava dizer sempre que alguém imitava uma atitude por mera convenção. Pronunciar vocábulos e desfilar argumentos? Tão somente quando lhe eram oportunos. Pouca coisa lhe trazia maior prazer que uma discussão ganha desde o momento que entra. Se não ganhar, é porque não entrou. Talvez por isso que seguiu o caminho das leis e fez do tribunal um templo da consagração do conhecimento, e das orgias ideais. Arquimedes era daqueles que preferem não ter livros em casa. Isso denunciaria uma possível incapacidade de não absorver seus conteúdos. Também não guardava filhos na estante. Esses andam por aí livres de uma presença paterna tão peculiar. Uma esposa nunca foi um sonho de consumo, as amantes sempre lhe foram mais instigantes. Seu coração, digo, seu cérebro sempre foi vacinado contra o vírus sentímentus irracionales. Certamente isso explique sua visão particular do mundo e das pessoas.

Com toda certeza que não é para expandir o seu círculo social, prezado leitor, que eu apresento esse indivíduo. Saiba que eu tenho fins mais didáticos para isso. Imagine você que ao completar certa idade que já o tirava da classe dos jovens, Arquimedes é acometido por uma cegueira branca. Exato, leitor, um branco sem transparência foi a única coisa que Arquimedes passou a ver. Isso já lhe trouxe uma raiva profunda – raiva porque, segundo ele, angústia todo mundo sentiria nessa hora - piorada dias depois, apenas quando soube que uma de suas amantes, que se dispusera a ajudá-lo, também havia se contaminado com a cegueira branca, seguida das duas outras pessoas que passaram a ser o seu universo social: a empregada e o jardineiro.

Imagine também que assim ficaram os quatro. Presos numa jaula chamada casa. Isolados do resto do mundo.

Saramago chegou a sugerir, certa vez, que esse cárcere cego culminaria na desumanização integral dos condenados, ao ponto de as leis, o bom senso, a hierarquia e as diferenças convencionais serem todos esquecidos e submetidos a uma realidade mais cruel e dominadora. Se ninguém vê o que o outro faz, é hora de aflorar o que tem de melhor e pior dentro de si. O que de mais desumano o outro faz, é coisa que não dá mais pra ser vista. Os instintos selvagens e primários derrubariam a cerca delimitadora da convenção social, da moral e dos costumes aceitos. Com tudo isso, o leitor bastante sensível é provável que estivesse a um passo de se sentir envolto num ambiente primitivo, se não fosse a ressalva que segue: Saramago nunca foi apresentado a Arquimedes.

Aos demais, até que orgias e estupros poderiam ser um passatempo bastante interessante, mas Arquimedes viu na cegueira uma forma de vida curiosamente original. O leitor não se assuste quando eu revelar que Arquimedes passou a Amar. Se ninguém vê que ele se rendeu aos sentimentos, por que não sentir? Alguns têm epifania quando vêem folhas de árvore caindo. Arquimedes preferiu ter a sua quando se viu nadando numa piscina de leite. Uma opção semelhante àquela de quando nasceu. E da mesma forma como chorou quando sentiu as palmadas quase violentas do médico, Arquimedes deixou sair uma gota de alguma coisa dos seus olhos que ao que parece é o mesmo que ocorre a algumas pessoas no momento de emoção. Não que ele soubesse o que era emoção. Mas passou a optar por descobrir no momento que se viu livre de qualquer julgamento alheio. Os sentimentos sempre lhe foram o declínio das imposições sociais, e o ápice da primitividade. Agora mais do que nunca!

Lastimável que eu não possa acalmar a aflição do leitor mais ansioso em saber se ele efetivamente descobriu o que é emoção. Arquimedes agora não sabe dizer. Arquimedes desde então prefere apenas sentir.