Tirando o Couro no Carnaval.

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Posted by Felipe Luna | Posted in | Posted on 12:01



É depois de quase dois meses de jejum desse espaço que eu manifesto o meu desejo de não ter perdido, o leitor distanciado, o gosto pelo couro que reveste esse Divã. Não que seja ele de mau agrado, mas que foi ausente por um tempo nunca visto desde as primeiras linhas derramadas nesse espaço de divagações. Já compreendo até que as areias e o sol do verão tenham o feito dispensar o calor que daqui abunda (a acidez e o sarcasmo nós vamos desprestigiar de citações para fins de cordialidade). Todavia, agora que fevereiro já dá sinais de intimidade, é hora de a prole desse Divã despir seus objetos mais preciosos – e caros – para se acomodar nesse couro impiedosamente arrancado dos comedores de piranha.

Seria de uma demonstração irrevogável de elegância que o leitor mais freudianamente afetado retirasse da cabeça os pensamentos malévolos e aceitasse “comedores” como “predadores” e lembrasse que às vezes uma piranha é apenas uma piranha. Sendo desta forma, não me espanta que minha orelha esquerda esteja tão rubra devido às palavras pouco carinhosas dos ambientalistas ferrenhos e dos igualmente socialistas – esses não precisam de uma causa muito interessante pra meter o bedelho, em qualquer piranha eles já estão metendo – afinal é sobre couros de jacarés que mantenho meus pensamentos.

Personagens tão ilustres como piranhas, jacarés e socialistas fazem visitar a minha cabeça, acredite o Leitor, pensamentos carnavalescos. É curioso que numa festa marcada por situações extraordinárias, já que o trabalho sempre considerado como castigo dá o prazer de sua ausência e leva dentro de uma mala todas as demais regras onipresentes durante todo o ano, seja submetido a uma data e uma hora rigidamente definidas para acontecer. Como se o período de não-regras estivesse submisso a uma regra severa. O cúmulo da disciplina num período que a abomina.

Não que seja esse o fato mais curioso, afinal ainda nem metemos os socialistas na folia. E é mesmo para não dar tempo que algum se levante e comece um sonífero discurso de libertação, eu convido o Leitor a lembrar-se do dia em que viu o um bloco de carnaval puxado por um desses seres pensadores. Tão estranho como a presença massiva de uma sociedade que despreza a mobilidade social numa festa que promove o desafio das coisas fora do lugar, é a ausência dos defensores da igualdade nessa folia.

Enquanto os confetes são jogados e as serpentinas fazem vôos rasantes pelas cabeças ornamentadas, a hierarquia e a posição social são desprezadas como um detalhe sem importância no meio da fraternidade desmedida e da liberdade de fazer o que quiser sobre a proteção da compreensão alheia. Tudo pode. Até a periferia toma conta do espetáculo e desfila pomposamente suas tradições para o deleite de todos. Esses que passam o ano como coadjuvantes da máquina que leva o país, por esses dias protagonizam o maior espetáculo popular por aqui visto. E onde sai o bloco dos socialistas pra comemorar esse feito?

Já até posso ver Rousseau desfilando na velhíssima guarda de alguma escola de samba, - caso ainda andasse por aí espalhando o típico perfume francês – com os dedinhos pra cima e gritando: “Liberté, Egalité, Fraternité!”. Ele não sentiria a menor falta do Moulin Rouge, já que as piranhas daqui são bem mais despidas. De tecido e de pudor. Essas que aceitam tal posto só se vestem do próprio couro. O do jacaré, só se for pra pegar. É bem por aí que o Leitor pode presenciar uma típica exceção à filosofia. Para Marx, como bom jacaré que provavelmente era, acredito que mais valia duas piranhas do que um manifesto.

São nas relações piranha/jacaré que os socialistas até são capazes de rever seus conceitos.

Liberdade é libertinagem. Igualdade é desprezível. Fraternidade? Ah, fraternidade um cacete!