Menina que Pintava o Tempo

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Posted by Felipe Luna | Posted in | Posted on 11:45


Há tempos, para ela, a passagem do próprio tempo não merece mais comemorações de aniversário. Deitada ali sob a mangueira inexistente no seu quintal, ela ia pintando na imaginação com todas as cores possíveis o que ainda não podia ver. Preenchia agora 12 mangas progressivamente maduras que a ela lembravam sabores já provados, e mais 12 que ainda não existiam, mas sabia ela que estavam para nascer. Podia contar também umas trezentas e sessenta e cinco folhas caídas ao seu redor, num chão que a sua imaginação ainda não havia decidido se era de barro ou não.

Ela se lembrou de cada folha que caiu e nunca mais poderá ser colocada de volta. Sabe que ali no chão elas levam consigo a vida da utilidade, mas ainda servem para serem vistas e lembradas, até quando o esquecimento tratar de decompô-las. Nesse instante ela olhou para aquelas ainda não nascidas, mas destinadas a cair, uma a uma, até que as mangas que também nem existem fiquem todas maduras. Pôde sentir toda a esperança que tomava conta dela sem se acanhar com nenhum tipo de educação ou bons modos que viesse frear a veemência do que estava por vir. Os momentos que acompanhariam a caída de cada folha, da mesma forma como um corpo de baile acompanha harmoniosamente a música, não saíram da sua cabeça, nem tampouco remediaram a ansiedade que passa a ser sua companheira fiel nesta época.

Fez planos, previsões, bordados. Reflexões e pedidos redobrados.

Refez os planos pela décima segunda vez em menos de doze segundos. Mas isso pouco importava, já que a preocupação maior era remover aqueles tons de cinza que ainda cobriam inconvenientemente as coisas que não tinha pensado. De cinzento seu tempo já cansou de ser. De cinza suas datas já estavam encardidas. Da cinza que restaram os motivos, não há mais nem um sopro de vida. Mas é a vida que sopra para frente fazendo-a sentir necessidade de colorir o que ainda lhe resta. E com o cheiro dessa mesma tinta que o vento vai soprando, faz de um soprano o canto desse ruído.

Traçou caminhos, trilhas, encruzilhadas. Linhas finas, curvas e acertadas.

Enxergou numa fresta de luz do sol que passava por entre os galhos da mangueira, a mangueira que não existia, o medo de seguir pelos caminhos mais escuros. Lembrou aí que o que carregava consigo eram apenas pincéis e tintas. Luzes não estavam na sua caixinha de possibilidades. Isso foi importante para ela perceber que pode tudo, mas tudo não. Ela tratou então de escolher cores mais claras para manter com vida e com brandura o colorido dos caminhos. Aprendeu que usar dégradé ajuda a criar meio termos. E meio termos são importantes pra chegar a um lugar comum.

Ela aceitou a bipolaridade e preferiu sair do chão, que há um pincel de tempo decidiu não ser de barro por falta de tinta marrom, e ficou trepada em cima do muro para ver mais folhas caírem, sempre verdes da esperança que carregam consigo. Ela teve a idéia de pintar uns carneirinhos, uns porcos, umas galinhas. Uma porta, uma porteira e um portão. Transformou as mangas em mexericas e sentiu vontade de devorá-las uma a uma como se fossem a última. Só assim ela percebeu o quão quentes ficavam as caídas das folhas, o quão bonitas ficavam o gosto das laranjas, e o quão doces ficavam as vozes afinadas do vento no ano que pede permissão para passar.