O Sol de Montebelo.

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Posted by Felipe Luna | Posted in | Posted on 13:28


Não é que os olhos de eufemismos mais suaves que ela carrega no rosto sempre iluminado não me encantem por si só. Mas a forma como eles gritam sempre afinados buscando numa prosopopéia meio distante e aliterações nunca abusivas uma forma de chamar minha atenção para o fato de estarem ali a espreita, como dois holofotes que dão a luz e a graça para o artista nem sempre de sorriso espontâneo no palco, não me deixam menos feliz do que outra coisa.

Não é que seja ela uma parte da platéia que aplaude sempre de pé no fim do espetáculo. É que ela faz isso com um sorriso que não se vê parecido lá de cima, e que enriquece o valor das lágrimas ácidas derramadas no palco que tem mais forma de divã do que outra coisa. E como se possível fosse trazer o sol para escuridão dessa sala onde as letras saem soltas com combinações sufocadas, ela o faz livre e naturalmente porque ainda não descobriu que isso é impossível.

O poder do sol vai além de tornar às vistas possível enxergar o que está perto ou longe. Desfigurar o gelo que cobre as ideias e as emoções tal qual o vento vai transformando em estado mais nobre as gotas de água paradas sobre qualquer coisa, não lhe é uma tarefa atribuída que se deve ignorar. É porque, explica o artista despretensioso, só quando se torna líquido o que antes era sólido, a matéria-prima de que é feita esse divã dá mais liberdade para moldar e brincar com as formas e volumes que enchem os olhos de quem por aqui respira. Sem falar que também são líquidas as tintas colorantes das telas que dançam pra lá e pra cá nesse balé sem sincronia clássica.

Não é que ela dance por aí desengonçada jogando sem motivo e sem beleza os bracinhos tão curtos acompanhando os movimentos das pernas torneadas. Mas ela sabe conduzir o coreógrafo com os seus passos inventados espontaneamente quando a música é solta. Porque são nos seus palpites e comentários tão gentis que o artista se movimenta para conduzir a dança das letras. E o faz de forma a não cortar o ar do ambiente sem um propósito comprometido com o belo e com o significado. Ela não deixa uma nota musical desacompanhada de um movimento perspicaz.

E se sol for essa nota, ela não se deixa sair da afinação e canta também com um timbre que não se ouve parecido no coro. Ela sabe que do sol esta sala precisa, porque as paredes não ecoam coisa melhor que não essa nota que nunca cai. O sopro da flauta e as cordas do violão só ajudam a segurar o sol como instrumentos de uma orquestra que não para nem quando o público já foi embora.

Nem mesmo quando o público sai sem aplaudir.

Isso aqui só é menos frequente do que ocorre nas salas de cinema. Depois de reproduzido o último centímetro da fita de ilusões, todos saem diferentes do que entraram, mas nem sempre deixam a marca disso como agradecimento. O que nem faz tanta diferença quando é possível ver na trama que a mocinha e o herói são uns medíocres perto dela, que pode ser boa e má ao mesmo tempo. Ela pode ainda desfrutar como ninguém dos enquadramentos e das cores mais vanguardistas porque tem sensibilidade para perceber todo o roteiro de forma privilegiada.

Não que ela tenha um camarote acima dos outros. Mas o lugar dela sempre esteve reservado no script. É que no fundo de todas as cenas, compondo a fotografia dos quadros, existe um sol que nem sempre é visto.

É o Sol de Montebelo.