Inspiração

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Posted by Felipe Luna | Posted in | Posted on 00:29


O Leitor nem se incomode com o aroma imponente de ambiente guardado pelo qual já é caracterizado esse divã. Até as eventuais rinites que possam ser suas companheiras fiéis já criaram uma relação íntima com o cheiro que invade ao se abrir este espaço tão hermético por um tempo deveras inconveniente. Não que tivesse sido esse o fato motivador de tamanha ausência. Proporcionar essa experiência olfativa certamente não foi o objetivo primeiro desse que o fala. No entanto, seja talvez de interesse do Leitor a consciência de que o olfato marcou uma hora nesse divã de aromas tão misturados.

Note o Leitor próprio que nem sequer o cheiro de uma cadelinha acompanhada de um senhor milionário que já deram a graça de suas aparições por aqui no ano passado está munido do poder de abafar o deste Senhor sensível que acaba de cruzar a porta de tal sala escura. E seguem na mesma impotência o cheiro do café já tomado, o cheiro nórdico trazido por um velhinho barbudo para terras tupiniquins, o das mexericas que uma menina já retirou da árvore, do suor misturado com hipocrisia que invadiu este espaço no carnaval, tampouco o do sol que não deixa de dançar por aqui. É um aroma forte e nada parecido com os já vividos que esse Senhor de aparência tão insignificante carrega como uma áurea de um lado a outro do espaço que ocupa. Se me saísse uma descrição de suas roupas, feições e porte físico, seria ela toda sem verdade. Não foi me dada oportunidade de dispensar atenção nesses fatos que se tornaram agora detalhes.

Pois saiba o Leitor que depois de sentar, “inspire” foi a primeira palavra jogada ao ar pelos lábios ainda com odor do cigarro que o Senhor fumou há dias. Mesmo que não fosse essa a pretensão, as letras chocaram-se produzindo um cheiro agradável, familiar àqueles que trazem para si a seleção do melhor que as narinas podem receber. Um cheiro que preenche o que antes parecia intransponível e vai se multiplicando na medida em que mais espaço vai sendo aberto. No começo, o que era apertado e escuro, começa a ser decorado com um conteúdo lustroso, capaz de, acredite o Leitor mais cético, ter luz própria.

A iluminação, por sua vez, vale um cuidado apurado na combinação de letras ordinariamente exportadas por aqueles lábios que agora cheiravam ao cigarro que acendeu há pouco. “Troque” foi o que ele disse depois. E por aí foi possível sentir o cheiro da poeira levantada pelo galopeio das letras em direção uma da outra, fazendo numa proporção molecular o que era bom passar para o lado que interessa, e o que era ruim subir para ser restaurado. Nesse momento – ele nem precisou explicar – o Leitor pode absorver que nada considerado descartável está necessariamente destinado à inutilidade absoluta.

E veio como final de um filme clichê a terceira palavra. “Expire” foi tão bem pronunciada que tornou possível extrair um aroma divino do som das letras caminhando uma atrás da outra. Esses passos foram saudando o cheiro de conquista. Uma explosão de consciência e de luzes diversas experimentada no orgasmo de quem acabou de parir. Longe de um alívio. Perto de uma esquina que ao ser dobrada a maratona termina. Porque foi de tanto correr que se chegou a sentir o cheiro da chegada. E para superar os gritos de quem torce na calçada pela conquista do que corre, é feito o convite de ler o parágrafo que segue em voz alta.

Ele inspirou depois de correr quando sentiu que o ar lhe faltou no exato instante em que a maratona estava perto de lhe dar a glória da real troca de valores do que é certo e errado cada vez mais imprescindível pra quem não quer deixar passar suas idéias pela lama composta de água com futilidade e um pouco da falta de senso do ridículo para dar consistência a esta substância ainda não evitada por todos que pensam depois de inspirar na mesma proporção que expiram depois de pensar.

“Se a você faltou fôlego, inspire novamente para sentir”. Foi essa a única frase completa que o Senhor desfilou antes de anunciar sua saída.