Para encher o saco do Papai Noel

Posted by Felipe Luna | Posted in | Posted on 22:02


O Leitor tão tomado pelos jingles natalinos, eu convido a imaginar o quão árduos são os dias dos que carregam a generosidade e filantropia como ideal de existência. Aproveitando esse período do ano em que nós aprendemos desde os tempos do esconde-esconde que a sensibilidade deve tomar, por obrigação, conta de nós, eu imagino que lágrimas de emoção já tomam conta de seus olhos azuis (se forem de outra cor que não essa, saiba que os azuis combinam mais com o natal) só de imaginar a dádiva que é ter o Papai Noel entre nós, meros servos de tamanha bondade. Mas se apenas esse vem à sua cabeça quando se fala em generosidade natalina, é com um aperto no coração que eu o apresento sua ingratidão, leitor desmemoriado. Com toda certeza as redes de televisão e mídia em geral estão irrevogavelmente chocadas com sua falta de consideração! Eu explico...
Tantas vezes quanto o Leitor pressionou o controle remoto de seu aparelho de televisão, também já recebeu com prontidão e eficiência ímpares sua agenda de assuntos a tratar no dia. Não existe secretária mais atenta para preencher as lacunas do seu tempo. ‘Chegada no trabalho’: comentar sobre o assalto a joalheria mais cara de Paris. ‘Horário de almoço’: debater sobre a redenção (ou não) do ex-marido falecido da atriz coroa da Globo. ‘Jantar’: fazer piadas sobre a má forma do jogador fenomenal recentemente contratado por clube paulista. E quanto ao seu papel como cidadão e a importância de criar uma visão crítica sobre as coisas, qual a hora que comenta? Ah, claro, senhor Leitor. Não estava na agenda. Entendo. Pois que o Leitor acrescente também ao seu baú do conhecimento que o Velhinho de Barba Branca serve-se da mesma agenda para praticar sua bondade.
Mal havia levado seu trenó para a revisão após o tumultuado natal do ano anterior, o caridoso autor do “hou hou hou” já recebia na sua agenda o que os brasileiros precisavam ganhar no fim do ano. Nossas filantrópicas redes de televisão, preocupadas apenas com os valores humanos, emocionaram o Papai Noel com a história da criança supostamente jogada pelo pai da janela do 6º andar de um prédio em São Paulo. Tamanha demonstração de amor e caridade incluiu na agenda dele os desejos natalinos. Os brasileiros mereciam que saísse do seu saco de presentes a preocupação com as crianças, o amor pelos filhos e o fortalecimento da família. Pronto, os presentes perfeitos já haviam sido escolhidos... se a nossa secretária não houvesse enchido mais adiante a sua agenda com outro tópico.
A exploração nada econômica do caso de uma jovem assassinada pelo namorado depois de dias presa dentro de casa fez todos esquecerem a menininha do começo do ano, inclusive o Bom Velhinho. Ele ficou tão vidrado dias e dias na televisão esperando notícias e se deleitando, digo, sensibilizando com aquele horror que, quando se deu conta, já havia desistido do presente anterior. A partir de então, o que preenchia o saco vermelho de bordas brancas eram a educação e o cuidado com os adolescentes do país. Se era isso que mais se falava na terrinha do samba, ele não podia deixar de atender. Contudo, os telespectadores do JN que passam os olhos por essas linhas já sabem que não é esse o presente que o Papai Noel vai dar aos brasileiros esse ano. Passou pela sua brilhante cabeça, certamente, que seríamos agraciados com caridade para ajudar os catarinenses pela desgraça que se abateu sobre eles – óbvio que apenas para isso, já que o resto do Brasil não precisa de caridade porque nada de ruim acontece. Afinal de contas, esse é o assunto da prateleira. É devido a isso que esse que o escreve não pode negar essa constatação: isso passou sim pelo saco de presentes. Lastimável que durou tão pouco.
Nem precisa debater-se, caríssimo Leitor ansioso, para saber qual o fato novo que fez Papai Noel mudar mais uma vez de idéia. Tal fato é tão novo quanto as barbas desse velhinho. Pois saiba logo de vez para acabar com a aflição que foi imposta na agenda dele, assim como na nossa, que o Natal é época de comércio lotado, shoppings movimentados. E como não se deixa de comentar e sugerir esse furor do consumismo, o generoso barbudinho tomou sua decisão definitiva, mas não antes de lembrar o quão tolo foi antes.
Nesse exato momento ele está enchendo - cuidadosamente e com um irritante ar de riso - o saco com os brinquedos da Estrela, uns artigos da Daslu e até móveis das Casas Bahia, e selando-os com adesivos em que se lê em vermelho e dourado as palavras “To Globrazil”.

Comments (3)

Maravilhoso, como sempre. Adoro esse toque Machadiano de conversar com o leitor. Impressiona-me que eu, geógrafa, pessoa que estuda ou diz estudar tanto as relações humanas, não tenha pensado tão criticamente como você em seu texto.
Ahmm, claro...Feliz Natal!

Genial!
E é exatamente por isso que vejo televisão raramente. O mundo já anda em completa desordem, não havendo aparente esperança no coração de qualquer um, no que se diz respeito ao desejado progresso; e, a mídia com toda sua avalanche de informações inúteis áqueles que andam buscando essa tal esperança, torna cada vez mais inviável qualquer tentativa de ver o ato de assistir televisão aberta em si, como algo produtivo.

Prefiro ser desinformada a ser abitolada.

Tenha um bom encerramento de ano, querido.
=]

Eu não ia dizer que o texto está maravilhoso não, porque eu acho "brega e meio" vir aqui lhe elogiar sem entrar numa discussão sobre o assunto, mas...

TÁ MARA! Huahuahuahuauhauhhahahauhahuahuahuahuahuhauhauhauhauhauhua...

E se o saquinho do Papai Noel não tiver nome, coloque "Agenda Setting", kkkkkkkkkkk...