Mister Dollar

Posted by Felipe Luna | Posted in | Posted on 20:34


O Jornal do Comércio:
"Desencaminhou-se uma cadelinha galga, na noite de ontem, 30. Acode ao nome de [...]. Quem a achou e quiser levar à rua de Mata-cavalos no..., receberá duzentos mil-réis de recompensa. [...] tem uma coleira ao pescoço fechada por um cadeado em que se lêem as seguintes palavras: De tout mon coeur."


De todo o meu coração, não foi para privá-lo do direito à informação que omiti o nome da cadelinha. A retirada do anúncio por esse que o fala não segue nenhuma outra intenção mais profunda que criar apenas um suspense. Mas é uma pena que o leitor, perspicaz que só mesmo, já deduziu pelo título o nome de tal desgarrada. Pois sim, Miss Dollar é a graça da cadelinha.
Só não sei se o leitor se deu conta de como o destino me é generoso. Justo no dia que separei para deitar as letras nesse divã, e que o mundo ferve com a crise nos EUA (menos o Brasil, segundo Lula), me deparei com esse anúncio citado em um dos Contos Fluminenses de Machado de Assis. O caso de Miss Dollar publicado pelos jornais me fez lembrar de outro caso de um xará seu, Sr. Dollar, que agora no século XXI desgarra-se de igual maneira e também ganha destaque nas manchetes. Quanto à proporção não posso dizer que seja igual. Os jornais de hoje parecem simpatizar muito mais com a família Dollar do que os de outrora. Os motivos são até bastante compreensíveis. Depois de uma crise pela qual a família passou no final dos anos 20 do século passado, a recuperação foi tão notável ao longo das décadas que esta se tornou a mais importante família do mundo. Não pense o leitor com isso, que o Sr. Dollar aparece nas colunas sociais. A primeira página certamente lhe agrega maior glamour.
É bem verdade que ele já foi mais potente. Contenta-se hoje com o dobro da “moral” da família Real brasileira, e uns toscos trocos a mais. Trocados a parte, acontece que o Sr. Dollar anda maio debilitado, o “desafortunado”. Se o leitor não teve notícias dele ultimamente, eu informo que hoje teve uma melhora no seu estado, mas nada nem tanto animador. O mundo acompanha aflito seus boletins médicos, afinal todo mundo depende dele para alguma coisa. É bonito ver como um senhor de idade tão avançada ainda se apresenta inexorável e útil nas relações mundiais. Conhece o mundo como ninguém, o Sr. Dollar, mas é provável que nem tenha chegado a conhecer sua xará centenária. Tão galga, tão esperta, tão dócil e adorada (essa parte não consta em documento algum, eu acrescentei para ficar mais agradável à imaginação do leitor mais romântico) era Miss Dollar. Aconselho este leitor a munir-se de um lenço, pois o que segue não é nada feliz. Depois de achada, de uma vida doce, e de musicais latidos (parte novamente acrescentada para não perder o leitor romântico) saía um dia pela rua quando foi pisada por um carro. Nem teve oportunidade de sofrer muito até dar o último ar de glamour. Seria de minha preferência dar um fim mais épico para a rica coitada, mas vamos ser fiéis ao realismo Machadiano.
Enquanto ao Sr. Dollar, eu espero, de tout mon coeur, que passe por dias melhores.

Comments (5)

Magnânimo com as palavras, você tece esse texto com retalhos de luxo de tempos passados e atuais. Com glamour você organiza suas idéias e as costura numa bela patchwork de luxo.

Parabéns De Luna berto!!!

Com direito a intertextualidade e tudo... e pra variar você arrasou de novo com as estruturas, agora do assunto mais comentado e relevante do momento (uma senhora cartada) o que só acrescenta na sua ótima capacidade crítica e observadora. Além disso, por onde é que você anda se inspirando? Que texto tão bem escrito, em sua forma, seu ritmo, sua desenvoltura magnética e instigante capaz de prender até o mais superficial dos leitores... enfim, simplesmente um texto Felipe Luna de ser!

Só de saber que passei várias (poucas!) tardes ao teu lado,já me faz ler os teus textos de uma maneira suspeita.Mas confesso,nem se eu nunca tivesse te visto um só dia e se nunca tivesse passado pela minha cabeça a sua potencialidade,mesmo assim,de longe,através de uma tela de pc,eu te acharia.Afinal,minha alma grita,implora e sonha a todo momento em tomar litros e mais litros de vc todos os dias!

bjo bjo
Carol (que neste momento tira o chapéu,boina,boné,seja lá o que for,pra vc!)

Você é incrível. Sério. Detesto (adoro) essa rasgação de seda que tenho para com sua pessoa, mas como ser indiferente a alguém que recorre a Machado de Assis para opinar acerca da crise econômica internacional? Como disse Carol, há uma necessidade de tomar litros de você. Se você fosse líquido te beberia até ficar de porre. E isso não é uma cantada! É apenas meu manifesto de elogio a sua inteligência e cultura.

"... Tão galga, tão esperta, tão dócil e adorada (essa parte não consta em documento algum, eu acrescentei para ficar mais agradável à imaginação do leitor mais romântico) era Miss Dollar. Aconselho este leitor a munir-se de um lenço, pois o que segue não é nada feliz. Depois de achada, de uma vida doce, e de musicais latidos (parte novamente acrescentada para não perder o leitor romântico)..."

Hum, romântico? Quem? Acuma? Eu?