Uma pausa para os Comerciais.

Posted by Felipe Luna | Posted in | Posted on 07:03


Um rapaz de aparência jovem, vestindo uma blusa listrada, entra num bar lotado de belas mulheres e nem sequer é notado pelas exuberantes e concorridas peças do cenário que se exibem de maneira sensual entre os freqüentadores do ambiente. Apenas entre aqueles que portam um copo de cerveja, óbvio. Mas para curiosidade do espectador (o leitor faça o favor de não se ofender) o bar só vende Aquela cerveja. Nosso rapaz de aparência jovem chega ao balcão, pede Aquela, e o cenário de mulheres quase desnudas move-se em uma única direção. Dizer que essa direção é a sua seria quase uma redundância. Pouparei, portanto, linhas preciosas para detalhes mais importantes, como os que seguem.

Primeiros 10 segundos do comercial: Alguém percebe que o nosso rapaz tem uma aparência tão jovem que não lhe dariam mais de 25 anos. Crime! Absurdo! Que irresponsabilidade expor como exemplo do consumo de bebidas alcoólicas uma pessoa tão jovem? Com 25 anos ninguém sabe o que quer da vida, nem tem personalidade formada ainda. Nem sei como demoraram tanto para ver isso. Certamente estavam olhando para o cenário. Ah, foi então por isso que depois de 5 segundos de deleite e apreciação daquelas figurantes, Alguém, enquanto enxugava a saliva protuberante do canto esquerdo da boca, também percebeu que absurdo era explorar assim a consciência e os instintos de público-alvo dessa forma. E os valores femininos, por onde andam? Talvez desfilem de shortinhos e saias curtíssimos sobre um salto alto com o único, eu disse único, propósito de despertar a cobiça masculina. Perversas mulheres, não é mesmo, leitor? Leitor? Droga, deve ter se desconcentrado com a imaginação fértil.

Mas Alguém já voltou a atenção para aquela cena e não deixou de observar a blusa que nosso jovem rapaz usava. Uma blusa listrada. Pasme, era listrada a blusa! Alguém percebeu no ato aquele insulto às leis. As blusas listradas lembram uma faixa de pedestres, faixa de pedestres lembra trânsito, trânsito lembra direção. Apologia à direção e ao álcool no comercial? Troquem logo a roupa desse rapaz! Quem se importa se aquela era a roupa da moda e estava sendo largamente adotada pelo público-alvo da cerveja? O número de acidentes vai dobrar no dia seguinte. O caos!

Outra coisa chamou a atenção de Alguém. Era um palito de dente numa mesa próxima ao balcão que ficou por meio segundo no ar. Esse palito, acredite o leitor, estava voltado para cima, lembrando uma lança prestes a atacar alguém. Sim, sim! Uma mensagem subliminar para incentivar a violência entre as pessoas que bebem. É claro que o leitor sabe: esse público-alvo, em sua maioria, se sente mais viril e potente diante de situações de violência. É o instinto masculino sendo explorado no comercial. Outro absurdo. Sem sombra de dúvidas aquele palito foi milimetricamente calculado para estar ali, com o melhor ângulo de visão e com foco privilegiado sobre ele. Alguém precisa tomar providências.

Na semana seguinte, depois de uma denúncia veemente e de cogitado o aumento alarmante do índice de exploração sexual, acidentes no trânsito e violência nos bares, o comercial saiu do ar. Foi substituído por um de um senhor fora de qualquer idealização que chegava num bar de mulheres vestidas até os cabelos que não lhe davam a menor atenção nem antes nem depois de pedir Aquela. O senhor se vestia monocromaticamente com tom pastel, levantava o copo com a marca da cerveja em evidência para uma câmera e fazia o símbolo de “paz e amor” com os dedos. Apanhava os petiscos do prato com a mão, já que todo e qualquer objeto pontiagudo foi proibido, e saía de lá tão despercebido quanto na hora que entrou. Antes de passar pela porta olhou para trás e disse: “Essa é a legal.”

E assim que terminou o novo comercial, me deu uma vontade desesperadora de tomar coca-cola.

Comments (4)

Muito bom. Mas o final está por completar o texto a quem lê, e como sempre, a Coca-Cola está presente nos melhores momentos da vida, inclusive no degustar de um apetitoso texto. Parabéns!!!

Publicitários: devemos temê-los.

Eu acabei de matar um gato. Mas eu não queria... Ele simplesmente estava passando quando atirei a tv pela varanda...

Que Deus o tenha!

(A)

Eu tinha uma professora, uma ótima professora que me dizia que eu e outros alunos um tanto mais dedicados íamos 'além de'. Coitada, não te conheceu...
Excelente e acho que pela simplicidade o meu favorito...